Resenha por: Vitória
Bueno
Nota: 10,0 – 10,0
Livro: Melhores
contos de Lygia Fagundes Telles
Autor: Lygia Fagundes
Telles
Seleção: Eduardo
Portella
Número de páginas:
160
Editora: Global
Que livro! Obrigada Global Editora por proporcionar
essa leitura! Foi minha primeira experiência com a escrita da
Lygia e eu adorei!
O livro reúne alguns dos grandes contos da autora,
demonstrando a maestria da mesma para o gênero.
Sua escrita possui uma estrutura bem intimista e existencialista,
penetrando de forma a despir a alma humana, assim como os sentimentos,
questionamentos e decepções das personagens. Para conseguir tal feito, Lygia
utiliza principalmente da narrativa em primeira pessoa e do monólogo interior,
fazendo assim, com que o leitor consiga adentrar na mente das personagens.
Diversas críticas são notadas nos contos. Temas
como o papel da mulher na sociedade, inserindo assim o feminismo na literatura
em uma época em que o assunto era ainda um grande tabu, estão dispostos em
alguns contos, assim como gordofobia, consumismo, prostituição, violência
psicológica, morte e loucura, além é claro, de uma forte critica política,
notada em “O Seminário dos Ratos”.
Farei aqui pequenas resenhas de cada um dos contos
presentes na edição.
Verde lagarto amarelo
O conto vai ser narrado por Rodolfo, que vive
sozinho em um apartamento. Ele e suas amargas lembranças. É muito visitado pelo
seu irmão mais novo, Eduardo, que parece conhecê-lo muito bem. O problema é que
Eduardo lhe traz de volta suas lembranças mais aterradoras da época em que eles
eram jovens, antes de sua mãe falecer, fazendo-o assim, reviver seus traumas.
É um conto com um tema denso. Durante a narrativa,
vamos adentrando mais fundo no âmbito dessas personagens, perpassando por
assuntos como gordofobia, violência psicológica, desafeto e morte.
Apenas um saxofone
Conto espetacular! Do início ao fim. Vai ter um ar
meio existencialista, perpassando pelas angustias e questionamentos da
personagem principal. Além disso, vai inserir temáticas como prostituição e
consumismo.
Narrado em primeira pessoa, por Luisiana, o conto
não se entrega a princípio. Começa desnudando lentamente a alma dessa
narradora, uma mulher que parece ter perdido o gosto pela vida. É uma
acumuladora. Acumula para se preencher. Transa pra se preencher. Mas com o
tempo, enquanto sua alma vai se despindo, vemos uma mulher que sofre, e sofre por
que não pode mais ter os tempos passados, por que não pode voltar no tempo
fazer escolhas diferentes. Sofre por que ama. E sofre mais ainda por que não
pode mais ter o amor.
Avassalador! E o final, meu deus! De dar nó na
garganta.
"Sou mulher, logo, só posso dizer palavrão em
língua estrangeira, se possível, fazendo parte de um poema."
"Você é minha música e eu não posso viver sem
música."
"Há muitos anos mandei embora o meu amado e
desde então morri."
Antes do baile verde
Conto bem triste. Narrado em terceira pessoa, ele trata
do abandono, da apatia. O desfile é importante para Tatisa, mas ela o coloca
acima de seu pai, que precisa dela naquele momento. Ela teme ir ver o pai e
encontrá-lo morto.
Além desses temas, também temos em evidência Lu,
uma mulher negra, e empregada doméstica, que protagoniza e humaniza o conto.
No conto vai ser narrado uma noite em que está
acontecendo um desfile de carnaval. As ruas estão todas repletas de gente. Lu
ainda está na casa de Tatisa terminando de ajudá-la a enfeitar a saia que ela
iria vestir. Lu está apressada, seu namorado já devia estar a esperando.
Ficaria bravo com certeza. Mas Tatisa não deixava a empregada ir.
Nesse meio tempo, surge entre as duas uma conversa
que é a mais importante para o desenrolar do conto: o pai de Tatisa está
doente, nas últimas, e ficará sozinho nessa noite de desfile.
Bom, conto super recomendado!
Eu era mudo e só
Esse conto é uma espécie de devaneio repleto de
ironia e metáforas. Manuel, nosso narrador, enquanto observa sua perfeita
mulher, padrão da sociedade, retoma antigas lembranças e, no meio dessa
imersão, imagina vidas sem a mulher.
A mulher o silencia. Ela parece sempre saber o que
ele quer. O conhece mais do que ninguém. É linda, uma boa dona de casa e gosta
das mais eruditas artes. A filha dos dois parece ir pelo mesmo caminho e,
Manuel começa a sentir-se incomodado com essa posição que ele toma dentro de
casa, passa a sentir-se reprimido pelo mundo simétrico e estático em que se
encontra, mundo este, que, para ele, lembra um cartão postal.
As pérolas
Nesse conto, narrado em terceira pessoa, temos como
protagonista Tomás, um homem que, já esperando a morte, vê através do espelho
sua bela mulher escapar por entre os dedos. Na verdade, sua insegurança a
imagina escapando por entre os dedos. Deste modo, traz um questionamento para o
leitor: o que preocupa a personagem é a morte certa ou a traição iminente?
Lavínia, sua mulher, está se arrumando para ir a
uma reunião. Está deslumbrante em seu vestido negro. Tomás devaneia e lembra-se
de dez anos atrás, dias antes de se casarem, quando Lavínia vestia um vestido
como aquele e atraíra a atenção de Roberto. Roberto também estará na reunião e
Tomás, em sua loucura, vê a mulher finalmente entregando-se aos encantos do
homem.
Gostei bastante do conto. Ele possui um ar denso e
meio sombrio. E meio insano até. Achei que a maioria dos contos que li da
autora possuem essa ambientação. Há toda uma tensão presente a cada página. A
personagem principal está no limite de sua sanidade, definhando, enquanto sua
mulher continua jovem, saudável, completamente apta para enlaçar um novo
relacionamento após sua morte.
Herbarium
Herbário: é uma coleção de plantas secas prensadas,
de onde se extrai informações sobre cada uma das populações e/ou espécies
conhecidas e sobre novas espécies de plantas.
Esse conto, narrado em primeira pessoa por uma
menina, vai se tratar da inocência de um primeiro amor, além da inevitável
perda dele.
A jovem, após um primo botânico, meio adoentado vir
para o sítio passar uns dias, se vê completamente imersa em uma paixão boba e
infantil. O primo pede-lhe que traga folhas para que ele coloque em seu álbum
que mais tarde fará parte de seu herbário. A jovem então passa a maior parte de
seu tempo à procura das mais diversas folhas, na tentativa de ganhar a atenção
do primo.
Pomba enamorada ou uma história de amor
Conto divertidíssimo! Vai contar, em terceira
pessoa, a história de uma jovem, que, após conhecer um rapaz, Antenor, num
baile, sente um forte amor platônico por ele, passando assim, o resto de sua
vida seguindo seus passos.
O rapaz não quer saber dela. Em dado momento chega
a se casar com outra, mas ela não deixa de segui-lo nem depois que já está
casada e com netos.
Temáticas como tentativa de suicídio e depressão
permeiam todo o conto, dando um corte no humor do conto.
Seminário dos ratos
O conto todo é uma alegoria às estruturas políticas
em que vivemos imersos. Aparece no livro homônimo, no ano de 1977, época em que
o Brasil se encontrava sob forte de repressão política.
Vai narrar a história de um mundo repleto de ratos,
onde os homens precisam tomar providências extremas. Para combater esse mal,
todos os anos ocorre o Seminário dos Roedores, uma espécie de reunião que serve
para pensar em estratégias para acabar com os ratos.
O problema é que ao invés de discutir os assuntos
pertinentes ao problema, os homens usam esse tempo para se empanturrar de
comida e álcool, enquanto a população é deixada para os ratos. Literalmente.
Há neste conto uma divertida ironia permeando toda
a narrativa. O próprio nome dele já é uma sátira. O Seminário afinal é dos
políticos, a fim de combater os ratos, ou é dos próprios ratos a fim de
combater a hipocrisia humana? Além disso, as personagens são nomeadas de acordo
com seus cargos políticos. Deste modo, percebe-se claramente uma crítica à
hierarquia social.
Enfim! Só leiam esse conto foda!
A confissão de Leontina
Um dos melhores contos, com certeza!
Ele é triste, mas tem humor. E tem um suspense que
deixa o leitor aflito o tempo todo.
No início nos é apresentada Leontina, a narradora
da história. O conto todo é uma conversa. Uma confissão. E o leitor recebe o
papel de ouvinte e juiz da história, apesar de estar claro que ela está falando
com uma mulher.
Léo está presa e devido a isso, conta sua história
sofrida. Perdera a mãe cedo. A irmã morrera afogada. O primo, que ela pensou que
nunca a abandonaria, o fez na primeira oportunidade. Aos 14 ela teve de se
virar sozinha. Aos 18 acabou se tornando uma espécie de prostituta para
sobreviver.
A narrativa do conto não é linear. O tempo todo,
lembranças interrompem a história principal, apresentando para o leitor cenas
da infância e adolescência da protagonista.
Apenas no final, quando tudo é revelado é que a
história faz realmente sentido.
Adorei! Trata de temas fortes com pesadas críticas
sociais.
Missa do galo
Bom, temos aqui um reconto do clássico "Missa
do galo" de Machado de Assis. Um reconto espetacular, por sinal.
No conto de Machado de Assis temos, assim como no
famoso “Dom Casmurro”, uma brincadeira com a mente do leitor. Capitu traiu ou
não Bentinho? Conceição levantou-se de sua cama de madrugada ou não, com o
intuito de seduzir o jovem rapaz? Diferente do clássico original, que é narrado
por um rapaz de 17 anos, aqui temos um narrador personagem que parece tudo ver,
dando um ar meio onisciente para a história, deste modo, lemos uma perspectiva
bem diferente da história.
Por exemplo, temos vislumbres de Menezes com sua
amante e também vemos que a mãe de Conceição não está dormindo no momento em
que a filha e o jovem hóspede conversam.
Recomendo que se leia o conto original antes de
adentrar nessa versão. Assim, o universo criado se amplia e a experiência de
leitura fica ainda mais maravilhosa.
A estrutura da bolha de sabão
Uma mulher narra a história. Após reencontrar um
homem que fez parte de sua história junto de sua nova esposa, ela relembra os
momentos que passaram juntos. Ele é um físico fascinado pela estrutura das
bolas de sabão. Eles costumavam passar horas e horas falando sobre elas. Mas em
meio à nostalgia e a lembrança de um sentimento já adormecido, a nova esposa
sente-se uma incógnita no meio dos fantasmas do passado dos dois, sentindo
assim, um desvairado ciúme.
"No escuro eu sentia essa paixão contornando
sutilíssima meu corpo. [...] ô! amor de ritual de sangue. Sem grito. Amor de
transparências e membranas, condenado à ruptura."
"Aos poucos o ciúme foi tomando forma e
transbordando espesso como um licor azul-verde, no tom da pintura dos seus
olhos. Escorreu pelas nossas roupas, empapou a toalha da mesa, pingou gota a
gota."
A caçada
Esse conto tem uma pegada bem mais de literatura
fantástica.
Vai ser narrado em terceira pessoa, mas em diversos momentos, o narrador dá vida a um discurso indireto livre, deixando que a voz da própria personagem venha à tona.
O homem é fascinado por uma peça de tapeçaria que
encontra numa loja de antiguidades. Passa a ir cada vez mais à loja para
observá-la. A dona da loja explica que a peça é muito velha e que não se
arrisca nem a tirá-la da parede, temendo despedaçá-la. Mas a cada vez que o
homem vai vê-la, nota certa vida nela. Passa a sentir uma estranha ligação com
a tapeçaria. Passa a sentir o frio que acha que aquelas figuras pintadas estão
sentindo. A cena traz a tona, uma sensação de lembrança perdida, que a personagem
busca incansavelmente recuperar. Em meio a sua loucura, o narrador da vida à
cena retratada na peça e se vê diante de um passado que ficara preso em seu
inconsciente, dando ao conto, uma possibilidade de leitura através das teorias
Freudianas a respeito da psicanálise.
As formigas
Conto tenso! Assim como “A caçada”, ele vai
adentrar nos limites do fantástico, sendo um exemplo magnífico do chamado
realismo fantástico. Além disso, ele vai brincar bastante com a ambiguidade,
que permeia toda a trama.
Narra a aventura de duas moças, uma estudante de
direito e a outra, sua prima, estudante de medicina. A primeira é a narradora
do conto.
As duas, por não terem condições de alugar um bom
quarto de hotel, vão parar em um quartinho pequeno e malcheiroso tendo por
companhia um caixotinho cheio de ossos de um anão, que fora deixado ali pelo
antigo hóspede, também estudante de medicina.
Logo na primeira noite algo estranho acontece.
Nossa narradora começa a sonhar com um anão loiro. Além disso, formigas invadem
o quarto todas as noites e adentram o caixotinho parecendo querer montar o
esqueleto.
Noturno amarelo
Esse conto é uma espécie de delírio. A narradora,
Laura, mergulha em suas lembranças e se vê em uma festa de família. Fica
imediatamente tensa. Imagina-se conversando a noite toda com seus familiares,
relembrando eventos que ao final ligam-se a figura misteriosa de Rodrigo e o
que houve entre os dois.
Implantando uma ambientação, presa entre o sonho e
a realidade, vai abordar temas como a loucura, o suicídio, a morte, a vingança
e também as relações amorosas reprimidas.
A presença
Conto bem crítico e com uma deliciosa teia de
interpretações.
Em um hotel que costuma atender apenas idosos nos seus
últimos anos de vida, a tranquilidade é perturbada quando um jovem de 25 anos
insiste em hospedar-se ali. No hotel não há mais nem espelhos, para não
refletir a velhice decadente dos moradores. Imagine o que a figura jovem e
saudável fará com a quietude e a mesmice desses hóspedes.
Fechando com um final aberto, bem típico de Lygia Fagundes
Telles, “A presença” nos deixa no mínimo curiosos a respeito do estranho
desfecho da personagem que tanto inquieta os moradores do hotel.
A mão no ombro
Conto com um tom bem fantástico, que vai tratar da
iminência da morte através de uma profunda reflexão sobre a vida.
A personagem principal, um homem já de meia idade,
se vê diante de um jardim sinistro. Não se sente bem dentro dele. Tudo ali
parece carregado de más energias. É como se a própria morte ali estivesse. A
personagem quer acordar. Só pode estar sonhando. Então, ao acordar, engana a
morte pela primeira vez, mas continua sentindo-se estranho e vazio no mundo
real.
Possuindo um plano temporal bem irracional, este
conto vai esticar a corda da tensão até seu desfecho excepcional.
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