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segunda-feira, 4 de março de 2019

As Bruxas do Lago Léman - Flávio Dias

Resenha por: Vitória Bueno
Nota: 10,0 - 10,0
Livro: As Bruxas do Lago Léman
Autor: Flávio Dias
Número de páginas: 246
Editora: Micronotas





"As Bruxas do Lago Léman" foi provavelmente a maior surpresa dos últimos anos, pra mim. O motivo? Este livro soube me tocar de diversas maneiras e em diversos momentos. Durante uma semana entreguei-me à história trágica, densa, erótica e bela de Jackson e Diane, e, até agora, foi a semana mais prazerosa do meu ano.

Eu nem sei por onde começar a falar do poder incrível que esse livro possui. Em termos técnicos, li poucos assim. Me assustei com a fantástica técnica narrativa dele. Narrado em primeira pessoa, por Jackson, que despe sua história com a envolvente e curiosa Diane, teremos uma narrativa fragmentada, que vai e volta, tal como o balanço de uma rede, ou os movimentos das ondas do mar e, aos poucos, vai montando um delicioso quebra-cabeças.

De pano de fundo, teremos o mistério envolta das bruxas do lago Léman, que banha a França e a Suíça, e das bruxas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Diane, uma roteirista a procura de uma grande história, busca desvendar o terror e a beleza do triste passado que envolve essas mulheres, torturadas e mortas, acusadas de praticarem bruxaria. Em suas andanças, acaba por encontrar Jackson, e nota muitas semelhanças entre os dois: ambos nasceram em Florianópolis e acabaram atraídos por aquele fascinante lago.

Jackson vive na Europa desde os 18 anos e Diane, desde os 4.

Nosso narrador encanta-se de imediato por aquela mulher e um jogo hipnotizante inicia-se entre os dois.

Simplesmente incrível. A escrita é tão magicamente perfeita e envolvente que leva o leitor em um frenesi entorpecedor. Este livro possui uma fragilidade quase palpável e ao mesmo tempo, um desenvolvimento violento, de tirar o fôlego. Além disso, um erotismo sem igual permeia toda a história. Erotismo este, como nunca vi, e essencial para o tom da história.

Diane acaba por ir para Florianópolis terminar o documentário que vem já há algum tempo desenvolvendo. E em sua busca por si mesma, encontra de forma arrebatadora, seu passado.



Por fim, preciso falar sobre mais alguns aspectos deste livro:

1- A ambientação que o cerca - Ela possui uma cor vívida! Eu senti as águas de Florianópolis molhando delicadamente meus pés, assim como senti o cheiro de café fresco do Café du Belvedère. O autor, um claro conhecedor de sua terra natal, no sul do Brasil, também conhece bem as ruas por onde Diane e Jackson andaram, em volta do Lago Léman. E isso tornou a experiência de leitura ainda mais inesquecível.

2- Um jogo interessantíssimo de palavras dá nome aos capítulos da história - Jackson e Diane têm o hábito de anotar suas palavras preferidas - não importando a língua - em uma lista. Essas palavras acabam por dar nome aos capítulos do livro.

3- O narrador da história é a cereja do bolo - Jackson monta sua narrativa com base no que vê e acredita de Diane. Deste modo, não é, de maneira alguma, confiável. Ele vai tecendo a história sob os efeitos avassaladores de sua paixão. Além disso, ele o faz em uma espécie de modo câmera. Toda a narrativa forma planos que lembram o desenvolvimento de um filme.

Só tenho um porém: há muito texto em francês no livro. Acho que deveria haver notas com traduções, porque em alguns momentos, sem a tradução, o texto não faz sentido.

Mas só leiam! Não posso dizer mais nada.


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

não verás país nenhum - Ignácio de Loyola Brandão

Resenha por: Vitória Bueno 
Nota: 10,0 – 10,0
Livro: não verás país nenhum
Autor: Ignácio de Loyola Brandão
Número de páginas: 384
Editora: Global
Onde comprar: Livraria CulturaAmazon





Bom, hoje eu trouxe esse livro pra indicar pra vocês, um livro que me fez refletir muito a respeito do mundo que nos cerca, e sobre nosso momento atual. Foi um soco no estomago em muitos momentos. 

Em “não verás país nenhum”, nos será apresentado um homem, Souza, que vai narrar um pouco de sua história em um Brasil distópico. Não existem mais árvores, não existem mais rios, existem pontos de coleta de urina para filtrá-la e colocá-la a ponto de consumo, não chove há muito tempo, a temperatura está literalmente de matar, não há sequer brisas de vento e doenças estranhas matam aos montes. Comida? Só feita em laboratório. 

Souza era professor de história, mas foi afastado de seu cargo e colocado em uma empresa de contabilidade porque ele falava sobre assuntos proibidos com seus alunos. Agora ele é um homem submisso do “Esquema”, acorda cedo, acaricia o ombro de sua mulher e vai trabalhar. Sempre o mesmo. Tudo automático. Ele se questiona, é teimoso, mas não faz nada que não faça parte de sua rotina. Não expõe sua opinião. 

Até que um dia ele aparece com um furo na mão e sua mulher resolve lhe largar. Seu sobrinho, um militar corrupto, leva estranhos pra sua casa. Sua casa agora é depósito de contrabando. A partir daí a vida monótona de Souza ganha mais intensidade. 



“Se ninguém impede, as coisas continuam, eternizadas. É preciso sempre intervenção, que alguém se interponha, se transforme em obstáculo à repetição.” 



Souza é como muitos. Quieto, calado, submisso. Vê a corrupção, a desonestidade e a injustiça passar ao seu lado sem fazer nada para mudar seu futuro. E é por isso que ele é uma personagem espetacular! O livro é narrado em primeira pessoa e o leitor vai aos poucos, entrando na confusa mente de Souza, e sentindo suas frustrações, seus devaneios, suas loucuras. E o livro acompanha cada estado de espírito dele. Ao ler, eu era o Souza. E acho que muitos o são também! 

Nos vai ser narrado dois principais planos: o da vida pessoal de Souza, levando em conta suas relações pessoais e suas escolhas no decorrer da história, e o plano social, enfocando no reflexo deste mundo distópico e comandado por um regime autoritário,  às pessoas que nele vivem.

A escrita deste autor é fantástica! Como eu disse, as coisas vão ficando mais intensas e confusas, com base no que Souza está sentindo. E ele é um incrível narrador. É intrometido, ácido, e principalmente, humano.



“— Lembra-se de quando líamos os livros de Clark, Asimov, Bradbury, Vogt, Vonnegut, Wul, Miller, Wyndham, Heinlein? Eram supercivilizações, tecnocracia, sistemas computadorizados, relativo – ainda que monótono – bem-estar. E, aqui, o que há? Um país subdesenvolvido vivendo em clima de ficção científica. Sempre fomos um país incoerente, paradoxal. Mas não pensei que chegássemos a tanto. O que há em volta de São Paulo? Um amontoado de acampamentos. Favelados, migrantes, gente esfomeada, doentes, molambentos que vão terminar invadindo a cidade. Eles não se aguentam além das cercas limites. Não há o que comer!” 



Se você quer ler uma distopia brasileira, uma distopia que vai mexer com você, leia Ignácio de Loyola Brandão, porque o cara é foda de verdade, e sei que ele escreve muito sobre o gênero. 

Fica a dica! 



“-- Gosta ou não do Esquema, tio?
-- Não.
-- Viu, tia? Viu como eu estava com a razão?
-- Está brincando comigo. Não está, Souza? Diz que está.
-- Não gosto do Esquema. E não estou brincando.
-- Souza, você está louco?
-- Não gosto do Esquema, não posso gostar. Tudo que está aí foi por causa dele.
-- Tudo o que está aí?
-- Tudo. O país despedaçado, os brasileiros expulsos de suas terras, as árvores esgotadas, o desertão lá em cima.”

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Um conto de Natal - Charles Dickens

Resenha por: Vitória Bueno
Nota: 10,0 – 10,0
Livro: Um Conto de Natal
Autor: Charles Dickens
Número de páginas:144
Editora: L&PM
Adaptação: Um Hino de Natal
Por: Cecília Meireles
Número de páginas: 64
Editora: Global




Estou bem atrasada para falar desses livros com vocês, então, primeiramente, me desculpem pelo atraso. Houveram alguns imprevistos, haha. 

Quero começar falando que este conto me tocou de diversas maneiras. Ele é simplesmente arrebatador. As palavras de Dickens irão ecoar em minha mente por muito tempo. Sua escrita é delicada, emocionante, além de ácida e crítica. Sua narrativa é deliciosa. Com um narrador intrometido e sátiro, que mais parece uma personagem, Dickens aproxima-se lentamente de seu leitor, até deixá-lo completamente extasiado e sem fôlego. 

Estou apaixonada por essa história. Ela realmente merece a fama que possui. É simplesmente perfeita! Essa história não é sobre o Natal. É sobre amor, compaixão, empatia e respeito ao próximo. 

Assim como muitos outros de seus livros, em “Um Conto de Natal” Dickens crítica a sociedade em que estava inserido na época em que vivera. E aqui teremos retratada uma sociedade que fecha os olhos para os mais necessitados. Teremos a fome, a ganancia, o preconceito. Vamos observar de perto, através das palavras desse autor, o mais doce e triste sofrimento. A dor de não ter voz em um mundo aristocrata. E teremos ainda algo mais. Algo bem mais importante: a felicidade e a união em meio a este caos. 

Para quem não conhece este conto, ele irá narrar a história de Ebenezer Scrooge, um homem avarento e frio, que em uma noite de Natal recebe uma ilustre visita: Marley, seu sócio falecido já há 7 anos. Sua visita tem o fim de mudar a percepção de Scrooge do mundo, para que ele não tenha um fim cruel e assombrado. Deste modo, fantasma promete que Ebenezer irá receber ainda 3 visitas: o Fantasma dos Natais Passados, o Fantasma dos Natais Presentes e o Fantasma dos Natais Futuros. 

Por fim quero falar sobre a belíssima edição, lançada pela Global Editora, deste conto. Ela possui ilustrações incríveis, que super complementam a experiência de leitura. Além disso, ela é em capa dura, com um acabamento que não deixa nada a desejar. 

Sobre a adaptação: ao invés de modificar o texto original, adaptando-o para crianças, com o fim de deixar a escrita mais simples, esta adaptação apenas condensa alguns momentos, apenas para deixar o texto um pouco mais curto. Obs: apenas um pouco, já que poucas coisas foram retiradas. 

Já a tradução da Cecília está esplendida! Não há nada do que reclamar. Ela preservou a literariedade do texto original, mantendo as metáforas e o estilo de escrita do autor. 

Só o que posso dizer é que este livro entrou para a lista de meus favoritos da vida, e que farei deste conto uma tradição de Natal daqui por diante. Pois merece um milhão de releituras, e ainda mais.